04 março, 2008

O PERU DE DONA GERTRUDEES



Não consigo dormir. E quem consegue? Culpa do efeito borboleta.Aquele que diz que o bater de asas de uma borboleta no Brasil podecausar um tornado no Texas. Se os terroristas ouvirem isso vãoquerer se mudar para cá e criar borboletas. Mas faz sentido, principalmente se você pensar que os gasesliberados na atmosfera pelo seu carro podem derreter o gelo doÁrtico por causa do tal efeito estufa. E é por isso que não consigodormir. Estou me sentindo estufado e temo causar uma catástrofe emalgum ponto do planeta.Está tudo interligado, tudo interconectado. Vivo num imensocondomínio mundial. Se seguro o elevador, meu vizinho de cima podeperder o emprego. Se compro tênis no camelô, estimulo o trabalhoescravo no oriente. Se compro diamante, patrocino o genocídio naÁfrica Central. Sou mais um responsável por todos e todos por um,num planeta com mais de 6 bilhões de mosqueteiros.Sofro ao saber que alguém na Rússia vai ficar sem hamburger porquealguém no Brasil se esqueceu de vacinar a vaca. Preocupo-me quandoum frango espirra no Vietnã e uma andorinha sozinha vai fazer verãona Romênia levando o vírus. Será que é o excesso de informação que faz isso comigo? Deve ser.Antigamente eu só sabia do que acontecia com meus primos e minhatia. Meu mundo cresceu com a abundância de informação e eu também.No meu caso é o efeito estufa, como já disse. Esse excesso deinformação que me bombardeia diuturnamente tem lá o seu lado bompara um cronista como eu. Dependo de fragmentos do cotidiano paraescrever e meu e-mail traz todos os dias um caminhão de matériaprima. É claro que junto vem muito lixo, mas também recebo casos queposso reciclar, como o de dona Gertrudes - o nome eu inventei - quepode ser real, lenda ou trote, não sei. O que sei é que, seexistir, ela é tão ou mais preocupada do que eu. Por isso decidiescrever minha versão reciclada da história de autor desconhecidoque circula na Internet, para dar a ela um sentido mais educacional.Politicamente correta, socialmente correta, ecologicamentecorreta, seja-lá-o-que-for correta, assim é dona Gertrudes. Só paravocê ter uma idéia, em sua cozinha há 4 cestinhos de lixo paramateriais recicláveis, um de cada cor: Vermelho para plásticos,amarelo para metais, azul para papel e verde para vidro. E na garagem tem mais: preto para madeira, laranja para resíduosperigosos, branco para materiais hospitalares, marrom paraorgânicos e cinza para não-recicláveis. Você acredita que a mulhertem até um cesto de lixo roxo? É para as velhas radiografias, queela acha que são radioativas.Quando não está caminhando ou usando sua bicicleta ou o transportepúblico, seu carro queima álcool, cinco vezes menos poluente que agasolina. Sua impressora até aprendeu a ler, de tanto ela imprimirdo outro lado, e quando vai ao supermercado, leva sua própriasacola para reduzir o consumo de sacos plásticos. A menina docaixa, boba, acha graça.Refrigerante em garrafa PET? Nem pensar. Só suco de fruta. Aslâmpadas da casa ela já trocou pelas econômicas, só toma banho frioe rapidinho, e ai do filho que deixar algum eletrodoméstico ligadona tomada com aquela luzinha em estado de espera. Será que precisodizer que ela escova os dentes com a torneira da pia fechada e usaa água suja da máquina de lavar roupa para lavar o quintal?Carne de vaca não come mais, por causa dos 25% do efeito estufacausados pelo escapamento do animal. Sua dieta de alimentosorgânicos e integrais só abre a porteira para peixes e aves. Equando a mulher viaja para o campo, leva um saco de sementes deárvores e arbustos para espalhar. Mais verde do que dona Gertrudes,só o seu Garcez, o marido, que sofre um pouco do fígado. Até paroude fumar para ver se resolve.Toda essa preocupação deu aos filhos a idéia de aprontarem com operu da ceia de Ano Novo. Justo com o peru, que Dona Gertrudescriou só com alimentação natural, massageou usando técnicas de Do-In e tentou, sem sucesso, fazer a ave aprender Yoga. Até homeopatiaela usou quando o peru andou esquisito.Dizem - mas não acreditei - que antes da execução ela usouacupuntura para anestesiar o peru e amaciar a carne. Na minhaopinião o que ela usou mesmo foi a velha cachaça, como se faziaantigamente, despejada em um funil goela abaixo. Depois, temperounaturalmente com sal não-refinado, vinagre de maçã e ervasorgânicas, e colocou a ave no forno.Foi só virar as costas e os filhos tiraram o peru do forno,esvaziaram a ave de seu recheio e enfiaram no lugar um franguinho,o menor que encontraram no supermercado. Tapado o orifício comfarofa para disfarçar, devolveram o peru ao forno.À noite, cercada pela família, a orgulhosa dona Gertrudes meteu afaca na ave e foi destrinchando, enquanto se gabava de suaspreocupações ecológicas e sociais no preparo. Ao descobrir ofranguinho assado no interior da ave, gritou de comoção e horrorantes de desmaiar:- Meu Deus! Assei uma perua grávida!
© Mario Personahttp://www.mariopersona.com.br/cafe/archives/00000218.htm

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